terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

"Pioneiros não envelhecem" - Rubens Borba de Moraes

Ao fim da obra de Suelena Bandeira sobre o "mestre dos livros", o bibliófilo, bibliógrafo e bibliotecário Rubens Borba de Moraes, sucede-nos um sentimento de admiração a esse personagem importantíssimo à Biblioteconomia, contudo, também, uma intensa e preocupante sensação de inércia da nossa área.

Rubens Borba foi um homem à frente de sua época, sob forte influência do Modernismo brasileiro, realizadores da Semana de Arte de 1922, amigo íntimo de outras grandes personalidades como Mário de Andrade, ajudou a fundar a única biblioteca pública orgânica e pró-ativa da história brasileira, a biblioteca municipal de São Paulo, hoje conhecida como Biblioteca Mário de Andrade.

Entretanto, o sentimento de preocupação que nos assombra é exatamente o dejá vu de uma situação relacionada às bibliotecas públicas da atualidade. Como fica claro, a biblioteca pública atuou por muito tempo em sua história apenas como um depósito de livros, mal cuidado, diga-se de passagem, mas também, como também um depósito de pessoas. O grande embate de Rubens Borba como bibliotecário foi justamente contra a imagem da biblioteca como abrigo de apadrinhados políticos e de funcionários inaptos das repartições públicas. E foi justamente por essa disputa que esse cidadão patriota viu seu legado ser destruído. A Biblioteca Mário de Andrade foi completamente desconstruída com o advento do governo autoritário de Getúlio Vargas, e sua passagem como diretor a Biblioteca Nacional já não guarda mais nem ao menos registros de seu trabalho nos anais dessa instituição.

Infelizmente, a imagem social da biblioteca construída por políticas públicas mal elaboradas e uma história de desenvolvimento fundada em objetivos desvirtuados tem vencido a batalha contra as diretrizes internacionais estabelecidas pela Unesco e pelos pesquisadores da área. O senso comum tem sido o maio inimigo da biblioteca pública.

Em minha recente pesquisa de mestrado foi observado que a biblioteca no Brasil continua tradicionalmente estritamente vinculada ao livro, assim como o ensino de Biblioteconomia, enquanto que em outras nações mais desenvolvidas economicamente a biblioteca pública tem como objeto de trabalho a informação, em todos os seus distintos suportes, e voltada à satisfação das necessidades de seus cidadãos, na solução de seus problemas cotidianos, do atendimento de suas necessidades informacionais. A biblioteca nos EUA, Nova Zelândia, mesmo na Colômbia busca prover a capacitação profissional, o desenvolvimento cívico, etc. Enquanto no Brasil atua como ainda no século XIX, com um acervo obras em estado precário voltadas a algum possível intelectual de um Brasil que não lê.

Rubens Borba foi um homem que "durante toda sua vida [...] lutou para que a biblioteconomia alargasse seus horizontes, saísse de um tecnicismo formal, confinados nos limites estreitos de uma profissão, para uma mais ampla integração com outras áreas" (BANDEIRA, 2007, p. 103). E agora que estamos nos aproximando do dia 12/03, dia do bibliotecário, será entregue a medalha Rubens Borba de Moraes a um bibliotecário que tenha empreendido significativas realizações para a área, questiono-me se nossa formação enquanto bacharel em Biblioteconomia nos leva a ser um profissional crítico ou técnico.

Rubens Borba foi um questionador, impetuoso e apaixonado por sua área. Mas em minha concepção a Ciência da Informação tem se tornado uma área conservadora e a Biblioteconomia seguido esses passos. Então me questiono, a quem estamos dando a medalha, é para aqueles que lutam por mudança, ou por aqueles que reforçam o conservadorismo positivista de uma área neutra, técnica e desapaixonada?

O último capítulo do "Mestre dos Livros" é intitulado: "Os pioneiros não envelhecem". Bem, parece que as preocupações do mestre Rubens Borba continuam as mesmas e por isso suas críticas continuam bem vivas, talvez algumas de suas considerações sejam mesmo atemporais. Porém continuamos aplaudindo aquilo que não fazemos, como se fossem apenas brilhantes considerações teóricas, mas distante de nossa realidade. Mas a verdade é que não é.

Então o problema da Biblioteconomia é a sua formação? Quem nos dera o problema fosse assim tão simples de ser resolvido. Nossos problemas são muitos e a consequência é a desvalorização contínua das bibliotecas públicas e para mudar esse quadro depende da postura de todos nós profissionais e estudantes. Claro que uma ajuda de um currículo mais moderno e o desenvolvimento de habilidades críticas com incentivo aos estudantes a realizarem pesquisa por meio de projetos que realmente estimulem os estudantes a criticarem e não apenas obedecerem ajudariam muito, este seria um grande passo. Mas outros passos também são necessários, Conselhos mais atuantes, estudantes mais motivados, etc.

Por enquanto vai nos ficando uma lição, que uma andorinha, mesmo que uma como Rubens Borba, não faz verão. Seu projeto inicial da Biblioteca Mário de Andrade foi completamente deturpado, arruinado, a Biblioteca Nacional continua como quase em sua época. Como ele mesmo questiona: será que a Biblioteca Real de Portugal foi salva de Napoleão para ser destroçada por mofo e insetos?
Talvez essa medalha deveria ser entregue, não apenas aos bibliotecários notórios, mas aos bibliotecários notórios mais questionadores.

Por fim concluo essa divagação com o convite à todos: Vamos criticar mais e sermos mais criticados, vamos nos expor e aceitar as críticas de forma madura e propositiva! Vamos nos unir, mas não no sentido de ficarmos nos acobertando de nossos erros, mas no sentido de somar nossas diferenças para fazer a diferença!

Um abraço a todos e por favor critiquem!!!

Referência:
BANDEIRA, Suelena Pinto. O mestre dos livros: Rubens Borba de Moraes. Brasília: Briquet de Lemos, 2007.